"Estando ainda longe, seu
pai o viu e, cheio de compaixão, correu para seu filho, e o abraçou e beijou.”
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á um
tempo, eu estava sentado fazendo uma refeição juntamente com alguns amigos.
Exatamente quatro colegas de trabalho homens e uma colega. Todos eles pais e
ela mãe. O tema da conversa era "filhos", ou melhor, "os
defeitos dos filhos".
O papo
corria acalorado e eu, efetivamente, não participava dos diálogos; apenas
ouvia.
Em certo
momento, um dos colegas me dirigiu a palavra, questionando-me para expressar
minha concordância com o que eles falaram até aquele momento.
- Não é isso mesmo, Valter? – perguntaram eles.
Não sei
de onde eu tirei a resposta, mas, sem pensar, respondi:
- Não, eu não concordo! Filho meu é para ser
beijado e para dizer todos os dias que eu o amo, muito!
Essa
resposta bateu pesado aos ouvidos daqueles colegas, a ponto da colega ir às
lágrimas. A conversa deles parou por ali. À noite, antes de dormir, rezei por
eles e pedi a Deus que os perdoasse, pois eles (parafraseando o texto bíblico)
não sabiam o que estavam dizendo.
A
verdade é que não posso condená-los, pois também agi assim por muitos anos. A
minha geração, na sua grande maioria, foi criada por pais autoritários, onde o
respeito era conquistado à força. Eu, por exemplo, cresci com medo do meu pai.
De certa
forma, esse ambiente de rigor familiar deixou em mim alguma sequela. Sem
perceber, comecei a criar minhas filhas com a mesma essência daquela minha
autoridade paterna. Eu estava sempre certo e não admitia confronto. Esse era
eu.
Com o
passar dos anos, percebia que elas estavam se afastando de mim. Estávamos
dentro da mesma casa, mas muito distantes uns dos outros.
Essa
situação perdurou até os doze anos da filha mais velha. Durante todos esses
anos, eu reinei soberano em meu trono dentro de casa.
Em 1994,
numa dessas conversas no ambiente de trabalho (do tipo daquela que citei no
início desse artigo), ouvi o relato angustiante de uma mãe. Dizia ela que havia
se separado do marido. O filho desse relacionamento, com dezesseis anos à
época, foi convencido pelo pai a exigir dela o pagamento de pensão alimentícia.
Como aquele filho foi morar com o pai, um advogado o alertou que, nessa
situação, ele não teria direito à citada pensão.
O
resultado foi que o filho voltou a morar com a mãe, mas não trocava uma única
palavra com ela, exceto quando estava chegando o dia de se fazer o depósito do
valor referente à pensão. O diálogo não era nada amigável; apenas para lembrar
a mãe da proximidade da data do depósito.
Aquela
mãe era o sofrimento em pessoa. Vi nos olhos dela a tristeza por ter dado tanto
amor àquele filho e, agora, por causa de uma mísera quantia mensal, a ingratidão
ter tomado conta do coração daquele menino. Ela perdeu o filho. Não tinha culpa
do que lhe acontecia e, talvez por isso, ela sofria ainda mais.
Aquela
história me atingiu profundamente. Lembro-me de ter chorado; coisa impensável
para mim naquela época.
Aquelas
minhas lágrimas me fizeram tomar uma decisão: eu precisava descer do meu trono
ou iria sofrer como aquela mãe o resto da minha vida. Resolvi mudar.
Comecei
a mudança gradativamente. Foi difícil. Os primeiros abraços demoraram um pouco.
O “eu te amo” então, nem se fala. Só depois de quatro anos eu disse isso, pois
foi quando elas perceberam que eu realmente havia mudado, que eu havia me
transformado num verdadeiro pai.
Hoje
posso dizer seguramente que sou feliz no relacionamento com minhas filhas. Amo
muito as duas e digo isso a elas todos os dias. Ao agir assim, recebo delas,
também todos os dias, o amor sincero e espontâneo. A gente brinca, se abraça,
briga, é filho e é pai, vivendo cada um o seu papel, mas fazendo questão de
dizer que um não vive mais longe do outro.
Continuo
sendo pai, corrigindo quando as coisas estão tomando caminho errado. A
diferença é que não faço mais isso lá do alto do meu trono, pois de lá eu não
era ouvido. Aprendi que, muitas vezes, é preferível estar em paz a estar com a
razão.
Se você,
que está lendo esse texto, também é pai, quero lhe dizer que filhos são bênçãos
dos céus. Não podemos perder a oportunidade de amá-los. Não estou me referindo
àquele amor do tipo "amo meus filhos do meu jeito; não preciso ficar dizendo
isso a eles", como já vi vários pais dizendo. O amor de que estou falando
é aquele que abraça, beija, brinca, cobra e que repreende com respeito e
amizade, aquele amor que não se envergonha de pedir perdão quando erra em
relação aos filhos. É desse amor que estou falando.
Nunca
é tarde para mudar. Da mesma forma, também nunca é tarde para chorar, como
chorou aquela minha colega de trabalho. Lágrimas de dor, com certeza; lágrimas
de alguém que deveria estar sofrendo bastante, infeliz, com um grande vazio na
alma, que poderia ser preenchido com um simples abraço, um abraço de filho.
Tio Valter
Tio Valter